quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Intolerância reduziu oca a cinzas, mas espaço foi embrião de aldeias da Capital

Recordações do espaço quase foram consumidas por chamas de crime impune


Por Tainá Jara | 26/08/2020 10:15


Oca localizada no Bairro Cel. Antonino, onde funcionava o Centro de Cultura Nativa de Mato Grosso do Sul (Foto: Arquivo pessoal)

Registros escassos quase levaram a repórter que vos escreve a classificar como devaneio infantil o que na verdade era lembrança marcante registrada pelo olhar curioso de criança. A imagem de uma oca enorme em plena periferia de Campo Grande, bem antes das aldeias urbanas existirem oficialmente, não é simples de guardar no baú do esquecimento. A recordação tornou-se fascínio e revelou parte importante da história dos indígenas da Capital.

Rodeado de residências de arquitetura moderna, o número 681 da Rua Uruguaiana, no Bairro Coronel Antonino, quase passa despercebido. O quintal de chão batido, protegido apenas com cerca de arame farpado, destoa do cenário atual, mas traz elementos para recriar o que era apenas memória.

Vigas verticais de madeira se tornaram carvão nas extremidades, mas ainda são capazes de desenhar na imaginação o formato da tradicional habitação indígena. O aspecto da estrutura, escurecidas pelo fogo, trazem a tona o motivo do aparente apagamento do espaço dos registros oficiais e das memórias desatentas.

Guarani-Kaiowá, Sander Barbosa, autou como secretário do denominado Centro de Cultura Nativa de Mato Grosso do Sul (Foto: Silas Lima)

Consumida pelas chamas, em suspeito ato de intolerância, nunca solucionado, a oca foi ponto de encontro dos indígenas que migraram para cidade entre 1996 a 2005. O guarani-kaiowá Sander Barbosa atuou como secretário no denominado Centro de Cultura Nativa de Mato Grosso do Sul e relembra a importância do espaço na articulação dos indígenas recém-chegados na Capital.

Embora pareça um curto espaço de tempo, diante das centenas ou milhares de anos de história dos povos indígenas no Brasil, a quase uma década de existência da oca deu visibilidade a causa indígena e serviu de embrião para constituir as quatro aldeias oficialmente reconhecidas na cidade. “Chegamos a receber turistas dos Estados Unidos e da Europa”, relembra o professor.

Visitas de estudantes das escolas e universidades da Capital eram quase rotineiras. De acordo com Sander, a intenção era resgatar a cultura dos povos originários.

Além de reuniões para articular as demandas da comunidade, o local funcionava como abrigo para cursos profissionalizantes, confecção de cerâmica de demais artesanatos tradicionais dos terena, guarani-kaiowá e kadiwéu e também abrigava uma pequena biblioteca. Dali nasceu, por exemplo, o Conselho Municipal dos Povos Indígenas.

Impune, mas impulsionador 

O incêndio que destruiu o espaço nunca foi solucionado. “O próprio delegado não quis registrar boletim de ocorrência na época”, relembra Sander ao explicar o nível de discriminação a que os indígenas eram submetidos desde então.

Após o incêndio, travou-se uma briga judicial pela posse do terreno cedido para organização não-governamental constituída pelos indígenas. Apesar da entidade vencer na Justiça, a área ainda abriga apenas vestígios de memórias e está longe de ser o ponto de turístico que foi um dia.

Oca ainda em pé e o que restou após incêndio (Fotos: Reprodução e Silas Lima)

A impunidade, no entanto, serviu de fator motivador para os indígenas. As articulações iniciadas na oca deram origem à primeira aldeia urbana da Capital, a Marçal de Souza, localizada no Bairro Tiradentes.

A comunidade mais recente tem justamente como símbolo marcante a versão moderna da tradicional habitação indígena. A palha de bacuri foi somada a estrutura de metal e alvenaria que hoje constituem o Memorial da Cultura Indígena, onde há exposição e comercialização de artesanatos.

Oficialmente, Campo Grande conta ainda com as aldeias Tarsila do Amaral, Água Bonita e Darcy Ribeiro.

O Censo de 2010, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), contabilizava cerca de 6 mil indígenas vivendo na Capital. A estimativa, no entanto, é que a comunidade já tenha chegado a 12 mil pessoal e seja composta de sete etnias diferentes, comprovando o fortalecimento da comunidade, apesar das dificuldades ainda enfrentadas, já que muitas destas aldeias carecem de infraestrutura adequada e políticas de incentivo a geração de emprego e renda. 


 CREDITO: CAMPO GRANDE NEWS


Um comentário:

  1. Olá, muito interessante o artigo. Sou nascido e criado em Campo Grande e numca soube desse lugar e de sua importancia. Tive algum contato com o povo indigena do estado quando jovem pois, morei muitos anos no Bairro Tiradentes e ali havia muitos indigenas, se não me engano foi criado um local, uma especie de bairro ou vila para os indigenas ali próximo de onde eu morava. Além disso, estive em um movimento que promovia interações de ajuda ao povo indigena, o que me levou a conhecer e morar por algums dias em uma tribo (Jaguapiru, se nao me engano) próxima de Dourados. Porém, mesmo com esse contato, ainda que tímido, acabei nao me aprofundando mais no conhecimento da cultura e do povo Guarani, que foi com quem tive mais contato. Gostei muito de encontrar este blog e vou acompanhar a partir de agora!

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Parabéns Mato Grosso do Sul, estado em pleno desenvolvimento

  11 de Outubro - 2022  23:23 Por; Cultura Nativa - MS