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01/092012 22:13
Denize planeja atuar como enfermeira em sua aldeia.
Foto: Bruno Felin/Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
Denize planeja atuar como enfermeira em sua aldeia
Foto: Bruno Felin/Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
A primeira índia beneficiada pelo sistema de cotas a concluir um curso na Universidade Federal do Rio Grande do Sul foi ovacionada pelos colegas neste sábado, durante a cerimônia de formatura da graduação em Enfermagem.
Mesmo sem saber falar português fluentemente, a índia caingangue Denize Leticia Marcolino mudou-se em 2008 para a capital gaúcha e, com o apoio da vice-pró-reitora da UFRGS, Andréa dos Santos Benites, iniciou o curso.
Depois de formada, Denize relembra as dificuldades da época em que iniciou os estudos.
"Tinha medo de ficar sozinha, mas nunca pensei em voltar. Era uma coisa que eu queria muito", revela ela, que nega ter sofrido preconceito dentro da universidade.
Durante o curso, a adaptação aconteceu graças aos amigos.
Denize aprendeu a sentar à mesa e usar garfo e faca - pois só comia com colher - e, aos poucos, recuperou os cinco quilos perdidos nos primeiros semestres. Sofria para entender o significado de algumas palavras das primeiras provas, mas concluiu a graduação sem reprovações e com nota máxima no trabalho de conclusão de curso.
"Ela trouxe a realidade indígena para dentro da universidade e sempre pensou em levar o conhecimento de volta. Fico extremamente feliz por esse compromisso social dela", diz a orientadora do trabalho final, Cláudia Junqueira Armellini.
Com o diploma, Denize pretende voltar para a aldeia Guarita e atuar como enfermeira.
Ainda assim, Osmar Maurício Sales, representante do cacique Caingangue, explica que "voltar para a aldeia faz parte do código de ética assumido antes de partir para os estudos". "Quero trabalhar na Guarita. Por falar caingangue poderei ajudar mais do que qualquer outro enfermeiro.
Os índios, ao procurar ajuda nos postos de saúde, enfrentam dificuldades de comunicação e acabam nem sempre bem orientados", diz a enfermeira.
A UFRGS dedica 10 vagas por ano aos indígenas.
São as lideranças das aldeias, em conjunto com autoridades da universidade, os responsáveis por escolher os cursos. "Selecionamos de acordo com as necessidades das aldeias, mas saúde e educação costumam ser os focos principais", explica Sales.
Os cotistas recebem auxílio moradia, transporte, creche, material escolar, acompanhamento pedagógico e uma bolsa de R$ 460. "Estes são alguns fatores que buscam melhorar o tempo de permanência e evitar a evasão.
Temos que valorizar o ingresso por medida compensatória, mas queremos que os alunos se formem, se não, a redução da desigualdade social não terá efeito", ressalta Edilson Amaral Nabarro, secretário de Assistência Social e presidente da Comissão de Acesso e Permanência indígena da UFRGS.
Além das barreiras culturais e econômicas, os índios precisam compensar com estudo o baixo nível da educação básica adquirida ao longo da vida.
As aldeias oferecem ensino fundamental, e quem segue adiante precisa buscar em cidades próximas escolas públicas que tenham ensino médio. "Vale lembrar que as áreas de gargalo atingem todos os alunos. Muitos têm problema com cadeiras de cálculo, por exemplo.
A renovação recente, por mais 10 anos de políticas de cotas na UFRGS, busca a retenção desses alunos, afinal, uma política inovadora não encontra todas as condições de êxito no seu início", conta Nabarro.
Outro problema marcante na trajetória da primeira indígena cotista graduada na federal gaúcha era a saudade. "A cultura do índio é de proximidade total da família. Ficar quatro anos distante é difícil para nossa etnia", relata Sales.
Os índios também são exímios observadores e de personalidade tímida, todas características marcantes em Denize. "Tive que me adaptar às diferenças. Ir apenas nas férias para casa era muito difícil.
Foi a primeira vez que fiquei tanto tempo longe de casa e que falei apenas português, mas nunca pensei em desistir", lembra.
De acordo com dados de 2011 da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior, os indígenas representavam 0,93% do total de alunos nas federais.
No Sul do País, o índice cai para 0,38%.
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