sexta-feira, 27 de julho de 2012

Terenas cultivam em área disputada e rejeitam ideia de deixar fazenda

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27/07/2012      16:50


Paula Maciulevicius

Dos 2,1 mil hectares de terra, 70 deles já estão sendo plantados.





 (Foto: Minamar Júnior)

No tronco da árvore a data da última retomada, quase já se apagando, marca dia 4 de julho. Nas lavouras, feijão prestes a ser colhido e terra preparada para receber o plantio de melancia e abóbora. Algumas estão pelo solo, para ainda serem colhidas. No campo a cena é esta e no espaço onde a sede da fazenda está, rostos apreensivos esperando novamente que a Justiça decida o que se arrasta há décadas, agora perante o pedido favorável de reintegração de posse aos fazendeiros.

Nesta manhã, o Campo Grande News esteve nos 2.1 mil hectares de terra indígena na fazenda Cambará, entre Sidrolândia e Dois Irmãos, que pertencem à reserva Buriti, parte dos 17 mil hectares reivindicados pelos índios Terena e alvo de uma disputa judicial. Quando o anúncio de que a vinda da Polícia Federal com a notificação da retirada foi suspensa, os indígenas não comemoraram.

O documento que, segundo a Funai, chegaria a eles hoje não muda o sentimento e a decisão de não deixar a terra. “Nós não vamos sair, foi suspenso devido à grande quantidade de índios”. Segundo as lideranças, eles estão em mil terenas. “Mais de mil índios acampados de prontidão, aguardando os federais”, completa o cacique Messias Sol, 32 anos.

A retomada foi feita por indígenas das aldeias Lagoinha e Córrego Limpo. Até antes de a decisão vir ao conhecimento deles, eram 350 indígenas, hoje, eles já se colocam como mil na área. A plantação, segundo eles, é para subsistência. A última colheita de feijão, feita nesta semana deram 118 sacas. Outra parte está quase no ponto e deve ser retirada do solo nos próximos dias.

Além do feijão, mandioca, abóbora e melancia têm sementes pela lavoura. A área foi dividida por eles em 200 hectares para plantação, 70 deles já estão sendo usados. O restante, de mil hectares, está dividido pela metade entre pecuária e reserva.

“Em um ano e um mês já conseguimos produzir”, comenta Odair de Castro Mamedes, 35 anos. Conselheiro da aldeia, Guilherme Gabriel de olho na lavoura e no tempo: corrida contra o prazo dado pela reintegração de posse para colher o restante do feijão.






 (Foto: Minamar Júnior)

“Em um ano e um mês já conseguimos produzir, antes a terra era usada só para arrendamento de gado”, mostra indígena Odair Mamedes.

A determinação do despejo dos Terena da fazenda Cambará vem do recurso julgado em junho, pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que deu ganho de causa aos fazendeiros por seis votos a três. A partir dessa decisão, afirmando que a terra deve ser mantida com os proprietários rurais, foram feitos pedidos de reintegração de posse, que vem sendo acatados, mas nenhum deles ainda foi cumprida.

A área é identificada desde agosto de 2001, como Terra Indígena Buriti. No mesmo ano, fazendeiros da região solicitaram a nulidade da identificação antropológica, através de Ação declaratória na Justiça Federal de Campo Grande. Durante este período a demarcação ficou paralisada. Em 2004, a Justiça Federal de Campo Grande decidiu contra os direitos territoriais dos Terena.

Após a decisão, foram movidos recursos pelo Ministério Público Federal e Funai para o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, que tramitaram até o julgamento definitivo em 11 de setembro de 2006. Na decisão do TRF, foi modificada a sentença proferida em Campo Grande, reconhecendo que a Terra Indígena Buriti é terra “tradicionalmente ocupada pelo povo Terena”, sendo determinado o prosseguimento normal da demarcação pelo Governo Federal. Em 2005 foram movidos pelos fazendeiros embargos contra a decisão o que causou ainda mais demora na solução do processo.

Com a decisão do Tribunal Regional Federal reconhecendo os direitos territoriais dos terena, após nove anos de espera, em 28 de Setembro de 2010, foi publicada a Portaria Declaratória dos limites da Terra Indígena Buriti pelo Ministério da Justiça. Em outubro de 2009, houve uma grande mobilização de retomada de terras e em novembro os Terena foram expulsos por ação da Polícia Militar em conjunto com fazendeiros, sem que houvesse qualquer ordem judicial para isso.

Cacique Messias a Funai aguardam decisão da Polícia Federal sobre a vinda com a notificação da reintegração de posse.


(Foto: Minamar Júnior)

Após a portaria declaratória do ministro, o próximo passo seria que a Funai promovesse a demarcação física dos limites da terra, o que ainda não aconteceu.

Diante de tantas idas e vindas de decisões judiciais, o questionamento é um só e feito ao conselheiro Guilherme Gabriel, 55 anos, como não desistir mesmo depois de décadas de luta e retomadas? A resposta dele é mostrar o que corre no sangue e passa de índio para índio: a vontade de reconquistar. “Não bate o desânimo.

Nossa luta sempre vai ser essa. Ele, daqui cinco anos vai tomar conta e assim sucessivamente. Nós sempre vamos lutar”, responde o conselheiro, apontando para Odair. Essa é a primeira retomada que Guilherme participa de fato. Mas desde criança acompanha o drama e sabe de quem luta já há muitos anos. “Nós lutamos e vamos lutar. Vamos esperar por ela.

Nossos anciões, sete já foram...” diz. A conta de sete anciões mortos é contabilizada só desde a última década. “Seo” Vicente da Silva Jorge é dos anciões mais antigos, tem 80 anos. Acompanha a luta pelas terras desde os 7, mesmo antes de entender, foi posto fora de onde morava, na reserva Furna da Estrela e desde então tenta encontrar seu espaço na terras, isso há 73 anos.

“Não sei como vai ser”, diz sobre a retirada dos indígenas diante da reintegração de posse. O cacique Messias, líder à frente da retomada reforça que a fazenda está do mesmo jeito como encontraram. “Só plantamos. A propriedade, está tudo conservado. Do jeito que chegamos aqui”.

À espera de uma decisão da Justiça Federal, as lideranças são unânimes em dizer que o que falta, em todos estes anos, é entendimento entre as pessoas responsáveis. “Tem fazendeiro que quer negociar, mas as pessoas envolvidas não estão em acordo e nós aqui estamos com a nossa força, a nossa vontade.

A gente não vai sair daqui enquanto tem plantação. Pode ter documento que vamos pedir prazo, porque a lavoura não vai ser colhida de hoje para amanhã."

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