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24/11/2011 11:40
"Atiraram na cabeça e no coração do meu pai. Eu não vi, mas o Sol viu tudo", diz Genito, filho do líder que ainda está desaparecido
"Atiraram na cabeça e no coração do meu pai. Eu não vi, mas o Sol viu tudo", diz Genito, filho do líder que ainda está desaparecido
Paula Maciulevicius, da Redação, e Nadyenka Castro, de Aral Moreira / MS
O rosto pintado contrasta com o verde das plantações em área ocupada por índios guarani-kaiowá. (Fotos: João Garrigó)
A rotina no acampamento Guaiviry é marcada pelo medo, ainda que seis dias tenham se passado desde o relato do atentado, em que o líder Nísio Gomes desapareceu. Entre eles, todo o cuidado é pouco até mesmo para receber a imprensa. Para chegar até onde estão acampados é preciso primeiro passar por três bloqueios feitos por eles.
De cara pintada e rostos preparados para a luta, eles seguem em rituais mostrando que ali a terra é deles e que se depender da força e da crença ninguém mais invade.
Homens e mulheres, dos mais novos aos mais guerreiros, todos têm lanças nas mãos.
Da mata para dentro, os sussurros podem ser ouvidos de índios que ainda falam do do medo ao lembrar da invasão da última sexta-feira.
"Nós tá com medo do fazendeiro.
Medo de atirar em nós de novo (sic)", diz Genito Gomes, filho do líder desaparecido Nísio Gomes.
O Campo Grande News percorreu novamente os 364 quilômetros que separam a Capital da região Sul do Estado. Entre a divisa de Aral Moreira e Amambai, entrar numa região que segundo relatos foi palco do atentado contrasta com a vasta produção de soja.
As cores na cara de quem luta pela terra se confundem em meios à lavoura verde, de milhares de hectares de soja.
Em meio a plantação de soja, índios guarani-kaiowá dizem que vão ficar no lugar.
A sensação de estar ali é viver em uma área de conflito. É precisar estar atento a todo momento.
O temor faz com que os guarani-kaiowá vivam na retaguarda, até um pouco agressivos. A entrada da equipe só foi possível com o intermédio de uma liderança indígena. Ainda assim o receio era maior e os índios poucos se soltavam.
De cara, ao percorrer mata adentro as barracas são de lona, aparadas em varas de madeira. Muitas famílias ocupam a região, se calcula que já são em 280 o número de guarani-kaiowá, 220 a mais do que no dia do ataque relatado por eles. Nas barracas se vê alimento e cozinhas.
As mulheres cuidando dos filhos, uma rotina entre famílias que não muda, apenas ganha cuidados a mais.
O Campo Grande News é recebido com um ritual, a impressão que passa é de que mesmo a tensão não deixa de lado os costumes de dar as boas-vindas. Oito índios, quatro homens e quatro mulheres, cantam e dançam.
Ali está Genito, que agora parece ter assumido a posição do pai. A vestimenta dele, uma espécie de colete colorido e rico em detalhes, mostra o poder de liderança.
Em alguns momentos Genito usa um instrumento chamado "mimby", de comunicação com almas e outros seres que segundo a crença guarani-kaiowá, indicam a chegada de alguém.
O ritual é concentrado no local onde Nísio teria sido baleado e posto em uma das caminhonetes que ao acampamento chegaram naquela sexta-feira.
"Desse local até a barraca do Nísio tinha sangue", conta o antropólogo e membro da Assembleia Geral do Povo Guarani-Kaiowá Tonico Benites.
Um dos símbolos de liderança, passado de pai para filho entre os rezadeiros foi o que ficou de Nísio, além da luta herdada. É O "xiru marangatu", uma espécie de varinha usada pelos rezadores, líderes espirituais da comunidade. O instrumento atravessa gerações depois da morte e um líder. Para trás, um par de botinas também ficou.
O medo continua, afirma a comunidade, que está sob proteção da Força Nacional de Segurança.
(Foto: João Garrigó)
O medo da ação de pistoleiros se repetir não tira a vontade de permanecer.
O que eles passam é bem mais que a agressividade justificada em função do possível ataque, é a determinação de guerrear pelo que acreditam.
No início da terra, um cartaz fala por si só e diz tudo. "Matar pode, matar o corpo acaba. Mas a terra nunca vai acaba".
"Não vamos mais sair daqui", enfatiza Genito. Nós não temos a arma forte, nem metralhadora. Nós temos arma invisível" - balança o chocalho "nós estamos rezando para que não aconteça mais isso".
Genito relata que não estava no acampamento no dia do ataque. Veio da aldeia Amambai após o atentado.
Segundo ele, o sobrinho que viu tudo contou que os homens chegaram encapuzados, de preto, com camisa escrito segurança e as caminhonetes com placas cobertas.
Genito, à esquerda, mudou da aldeia onde morava para assumir herança de Nisio.
"Atiraram na cabeça e no coração do meu pai. Veio pessoas armadas, metralharam meu pai e jogou na caminhonete".
Na porteira, na entrada do acampamento, uma bandeira com dois rostos de índios em papelão simbolizando proteção.
"Eu não vi, mas o Sol viu tudo", diz Genito, apontando para o adorno pregado em meio às grandes madeiras da entrada.
Os jovens ficam a retaguarda, desconfiando sempre de qualquer passo que não seja conhecido. A noite os guarani-kaiowá relatam que o medo é maior. Muitos seguiram até o final da conversa do Campo Grande News no acampamento, escondidos no meio da mata. Mesmo sem muitas palavras, o silêncio e o clima gritam dizendo que eles não vão sair dali.
O acampamento, que ontem recebeu uma comitiva da Secretaria dos Direitos Humanos, ligada à Presidência da República, está sob proteção da Força Nacional de Segurança, que vai ficar na região por prazo indeterminado.
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